Afinal, um país que não sabe cuidar de suas crianças, não se preocupa com o futuro. Ou melhor, não tem futuro. Portanto, é preciso ter mais seriedade com as escolas públicas.
Enquanto as escolas particulares aproveitam o período de férias para fazer as obras, as públicas são abandonadas. Depois de um mês e meio de férias - mesmo para os funcionários que sequer completaram um ano de trabalho- os professores devem ser os primeiros a chegar para planejar o ano letivo pedagógico.
Cabe aos professores enfeitar as salas de aula, os corredores e preparar a recepção aos alunos. Mas ninguém cuidou das infiltrações, da tinta caindo, dos azulejos quebrados nos banheiros e cozinhas, da rede elétrica, às vezes em estado de choque, dos parques, das calçadas, os portões e muros quebrados e do mato que cresce nos patios.
Em seguida, vem as crianças e adolescentes, que devem estudar em salas com infiltração, sem ventilação e iluminação adequadas, brincar nos brinquedos podres e quebrados, instalados nos pátios cheios de mato e ervas daninhas.
Então, se faz a licitação, vem as comunicações internas, os pedidos insistentes das diretoras e comunidade, coloca-se algumas tábuas como tapumes e vai se consertando as coisas ao mesmo tempo em que os professores devem ensinar e os estudantes aprender, entre marteladas e sons estranhos de máquinas de construção.
Os alunos precisam andar devagar para não tropeçar nos entulhos da construção e as diretoras precisam dedicar toda sua atenção para a estrutura física da escola, em detrimento da questão pedagógica, para evitar acidentes e manter alunos e professores em segurança. Rotina quebrada, por vezes, por causa chegada da Vigilância Sanitária.
O debate sobre de quem seria a culpa teve início logo após o acidente com as meninas e foi ainda mais acalourado, porque os repórteres, hávidos por notícias ruins e sem saber o que realmente aconteceu, noticiaram que as meninas estariam sozinhas no parque e em horário de recreio.
A primeira versão dizia que as meninas estariam sozinhas no parque e Camila teria conseguido levantar-se sozinha e pedido ajuda. Esta talvez tenha sido uma das mais descabida de todas as informações veiculadas pela imprensa. Com base em inverdades, a sociedade começou a buscar culpados.
A tragédia abalou todos os profissionais de centros de educação infantil pois a escola é lugar de vida, de cuidar do futuro, de alegria e de muitos sorrisos de crianças, não é e nem será aceita, como lugar de morte.
A vida não somente dos pais de Kelly e dos profissionais que atuam naquela unidade de ensino, mas de todos os professores mudou. Mas afinal, quem deveria ter visto a insegurança do brinquedo?
A diretora da escola e os pais que por diversas vezes solicitaram vistoria e consertos nos dois parques e chegaram a interditar vários brinquedos, antes mesmo da tragédia? A professora que estava desenvolvendo uma atividade pedagógica lúdica com seus 23 alunos de cinco anos? A empresa que fez a vistoria no parque no final do ano passado e NÃO detectou qualquer problema no balanço? Os pais que mal conseguem chegar em tempo na unidade para levar e trazer os filhos antes e depois do trabalho, mas deveriam ter vistoriado os brinquedos antes de levar seus filhos no início do ano letivo? A administração municipal que deixou para vistoriar os parques somente depois de colocar as crianças nas escolas e de acontecer uma tragédia? O novo Secretário da Educação que adiou o início do ano letivo nos quatro CEIs entregues pelo estado porque as professoras não tinham feito inscrição no processo seletivo de ACTs da prefeitura e porque as unidades estavam em condições inseguras de uso? A Vigilância Sanitária que foi chamada para “um acordo” pelos novos administradores, mas que devem vistoriar todas as instituições que prestam serviço à comunidade? Ou daremos a clássica resposta: o culpado é o sistema.
Uma série de pessoas (e são sempre pessoas) está diretamente envolvida na questão, mas mesmo que se aponte um culpado, a menina Kelly será relembrada somente como uma flor, simbolizada pela Camélia plantada na entrada do CEI, onde passou os três últimos anos de sua vida.
Todos os esforços e cuidados, seguramente devem ser voltados a ações que evitarão novas tragédias.
Em 2006, após a morte por sufocamento de uma criança, na unidade do bairro Guanabara, a Prefeitura ofereceu curso de primeiros socorros a todos os profissionais que atuam nos centros de educação infantil. Este curso ajudou no primeiro atendimento à menina Camila, que saiu praticamente ilesa do acidente.
E agora, qual será a grande lição que a Secretaria da Educação aprenderá? As primeiras ações visam a garantir a segurança física das crianças nos parques públicos da cidade e psicológica das pessoas diretamente atingidas pela tragédia.
Mas, qual será a ação pedagógica? Será discutido o CUIDAR e o EDUCAR. Ou será que as diretoras e as escolas continuarão a ser as únicas responsáveis pela segurança das crianças? E os professores, vão aceitar continuar trabalhando em condições tão precárias? Ou não seria precariedade uma professora cuidar sozinha de uma turma de 23 crianças de 5 anos, em período integral?
Que lição a morte de Kelly nos dará? Será que quando retornamos ao ano letivo de 2010, com os parques e estabelecimentos de ensino já vistoriados, reformados e recuperados, pois convenhamos, não existe uma única unidade que não precise de reparos após um ano letivo. Pagaremos a indenização milionária aos pais, nós os cidadãos joinvilenses e brasileiros, mas o que teremos aprendido?